8.3.06

O ERRO SOCRÁTICO

Nas civilizações fortes, quaisquer que sejam elas, não se fazia bom. Nascia-se bom. Desta forma, esta virtude específica não era um objetivo, mas uma prerrogativa dos bem nascidos, dos nobres. Sócrates não nasceu bom; ao contrário, diz-se que era um poço de maus instintos.
Todavia, certo dia um amigo lhe disse que fora informado por um deus ser o mais sábio dos homens e pôs-se a inquirir os outros e a mostrar como eram tolos e como pouco sabiam. Fez Sócrates uma grande descoberta: a do último dos males que escaparam da caixa de Pandora, a da relativização dos valores.
Na verdade, o que indiretamente lhe disse o Deus era que este era o mais sábio dos homens. Mas qual seria o valor disso? Qual o valor de ser o mais trinitino dos homens? Ou dos homens, o que mais gosta de liquor de jenipapo? Pouco, mas o infame Sócrates pensou que em ser sábio residia um mérito. De fato, a valorização de uma sabedoria alicerçada do conhecimento e não na experiência, e que entre nós ocorre apenas de forma imaginária, começou com o infeliz Sócrates de Atenas.
Sócrates, a quem a fortuna não dera berço creu que poderia se tornar bom; mas para se tornar bom era necessário ressemantizar o conceito, o que antes de tudo implicava em desconstruir o que até ali houvera. Sócrates entendeu que as bases de tudo estavam alicerçadas na tradição e que esta podia ser reduzida a areia por um novo veneno: a sua análise racional. A serpente que os helênicos criaram, finalmente lhes mordera os pés.
Sócrates é categórico: nada se sabe. Mas mais que isso: nada se pode saber. Se a primeira frase era apenas um grito de rancor de um espírito mesquinho, que de fato apenas serviria para demonstrar que o conhecimento e logo, a verdade, não podiam alicerçar nada de sólido, a segunda implicação era o próprio reconhecimento da derrota humana.
Ora o conhecimento não tem apenas uma forma racional. Mas à sua forma racional tentou reduzi-lo Sócrates, negando a intuição, o mito e a maneira como as coisas se nos apresentam. Viu que na realidade saber era algo difícil e que ele, dentre todos os homens parecia saber o que de mais sólido houvera até então: que nada sabia. Todos os demais eram tolos. Para elevar-se ele rebaixara a humanidade inteira e destruíra o que de mais caro os seus ancestrais construíram nos mil anos que o antecederam: uma confiança inabalável na força de seus valores.
Sócrates primeiro relativizara estes valores e não contente criara para eles, falácias. A Grécia fora golpeada de morte. E com ela, o ocidente, nos séculos todos que viriam. A verdade é digna por si mesma: um erro e um golpe nas gostas. Só a verdade ilumina: a espada que se crava no peito.
Para se ter uma idéia da importância disso, basta dizer que os erros seguintes, a saber o de Platão e o do Inimigo da humanidade se alicerçaram neste fato. Num mundo como o nosso em que a verdade é uma coisa muito frágil (e neste sentido Sócrates o percebera bem) exige-se uma coisa mais forte para escorar os espíritos mais fracos: a religião, cuja "verdade" é extemporânea, universal e inabalável.
Aliás, não são poucos os religiosos que com veemência e grasnar de patos doentes criticam a debilidade e mutabilidade das verdades científicas, como se isso mesmo não fosse o seu maior triunfo, como se realmente ela fosse assim tão importante. Mas qual! Ela é, pois Sócrates afinal, a tornara suprema. E em sendo ela tão frágil não demoraram os corvos a perceber isso e lha violentarem e tomarem-na para si e a latir:
_Tenho uma verdade e ela é a força das idéias! (Platão)
_Minha verdade é ainda maior: neguem a vida e tudo o que a transborda, por que há o Redentor e a além-vida, onde nós, os fracos, os débeis, os escravos, seremos justificados! (Paulo de Tarso).
Sócrates mereceu morrer e o único, na verdade o injustificável erro que cometeram os atenienses foi terem demorado tanto para perceber que o mal se alastrava entre eles e que era Sócrates o semeador do veneno que tomaria conta de uma serpente até então tão boa: a racionalidade.

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