21.3.08

DISCURSO AO POVO ESTADO-UNIDENSE

"Nós, o povo, com o objetivo de formar uma União mais perfeita.

Duzentos e vinte e um anos atrás, em um salão que ainda existe do outro lado da rua, um grupo de homens se reuniu e, com estas palavras simples, lançou a improvável experiência em democracia dos Estados Unidos. Agricultores e estudiosos; estadistas e patriotas que atravessaram um oceano para escapar da tirania e de perseguição religiosa finalmente leram sua verdadeira declaração de Independência numa convenção da Filadélfia que atravessou a primavera de 1878.

O documento que eles produziram eventualmente foi assinado, mas nunca concluído. Foi manchado pelo pecado original desta nação, a escravidão, uma questão que dividiu as colônias e levou a convenção a um impasse, até que os fundadores decidiram permitir que o comércio de escravos continuasse por mais vinte anos, deixando qualquer resolução final para as futuras gerações.

Naturalmente, a resposta para a questão da escravidão já estava contemplada em nossa Constituição - uma Constituição que tinha em seu núcleo a igualdade dos cidadãos diante da lei; uma Constituição que prometeu ao povo liberdade, justiça e uma união que poderia e deveria ser aperfeiçoada com a passagem do tempo.

E ainda assim palavras em um pergaminho não foram suficientes para livrar os escravos da servidão, ou garantir a homens e mulheres de todas as cores e credos seus direitos e obrigações como cidadãos dos Estados Unidos. Seriam necessárias gerações sucessivas de americanos dispostos a fazer sua parte - através de protestos e lutas, nas ruas e nos tribunais, em uma guerra civil e com desobediência civil e sempre correndo grande risco - para reduzir a distância entre a promessa de nossos ideais e a realidade de seu tempo.

Esse foi um dos objetivos estabelecidos no início desta campanha - continuar a longa marcha daqueles que vieram antes de nós, a marcha pelos Estados Unidos mais justos, mais iguais, mais livres, mais acolhedores e mais prósperos.

Eu decidi concorrer à presidência nesse momento da História porque acredito profundamente que não podemos enfrentar os desafios de nosso tempo a não ser que o façamos juntos - a não ser que aperfeiçoemos nossa União entendendo que podemos ter origens diferentes, mas temos também esperanças comuns; que não somos parecidos, nem viemos dos mesmos lugares, mas todos queremos ir na mesma direção - em busca de um futuro melhor para nossos filhos e netos.

Essa crença vem de minha fé indossolúvel na decência e na generosidade do povo americano. Mas também vem de minha própria história.

Sou filho de um homem negro do Quênia e de uma mulher branca do Kansas. Fui criado com a ajuda de um avô branco que sovreviveu à Depressão e lutou no exército de Patton durante a Segunda Guerra Mundial e de uma avó branca que trabalhou numa fábrica de bombardeiros em Fort Leavenworth enquanto o marido estava além-mar. Fui a algumas das melhores escolas dos Estados Unidos e vivi em uma das nações mais pobres do mundo. Sou casado com uma negra americana que carrega nela o sangue de escravos e donos de escravos - uma herança que passamos às nossas duas preciosas filhas. Eu tenho irmãos, irmãs, sobrinhas, sobrinhos, tios e primos de todas as raças e tons de pele, espalhados em três continentes e, enquanto viver, jamais vou esquecer que em nenhum outro lugar da Terra minha história seria possível.

É uma história que não me tornou o candidato mais convencional. Mas é uma história que introduziu em minha herança genética a idéia de que esta Nação é mais do que a soma de suas partes - de todas as que existem, somos verdadeiramente únicos.

Ao longo do primeiro ano desta campanha, contra todas as previsões, vimos a fome do povo americano pela mensagem de unidade. Apesar da tentação de ver minha candidatura puramente através de lentes raciais, conseguimos grandes vitórias em estados com algumas das populações mais brancas do país. Na Carolina do Sul, onde a bandeira da Confederação ainda tremula, construímos uma poderosa coalizão de afroamericanos e americanos brancos.

Isso não significa negar que a questão racial faz parte de nossa campanha. Em vários estágios, alguns comentaristas me chamaram ou de muito negro ou de não suficientemente negro. Vimos tensões raciais emergir durante a semana que antecedeu as prévias da Carolina do Sul. A mídia rastreou todas as pesquisas de boca-de-urna em busca de indícios de polarização racial, não apenas em termos de brancos e negros, mas negros e morenos também.

Ainda assim, apenas nas semanas mais recentes o debate racial tomou um caminho particularmente divisionista.

De um lado, ouvimos a sugestão de que minha candidatura de alguma forma é exercícios das políticas de ação afirmativa; que se baseia somente no desejo de liberais de comprar reconciliação racial pagando pouco. De outro lado ouvimos meu ex-pastor, o reverendo Jeremiah Wright, usar linguagem incendiária para expressar opiniões que têm o potencial não só de aumentar a divisão racial, mas de denegrir tanto a grandeza quanto a bondade de nossa Nação; e isso com ofendeu tanto brancos quanto negros.

Já condenei, de forma inequívoca, as declarações do reverendo Wright que causaram tal controvérsia. Para alguns, algumas dúvidas persistem. Eu sabia que ele foi ocasionalmente um crítico feroz da política doméstica e exterior dos Estados Unidos? Naturalmente. Alguma vez ouvi declarações controversas dele enquanto estava na igreja? Sim. Discordei fortemente de muitas das opiniões políticas dele? Claramente - assim como muitos de vocês já ouviram declarações de seus pastores, padres ou rabinos das quais discordaram frontalmente.

Mas as declarações que causaram a recente tempestade não foram simplesmente controversas. Não foram apenas resultado da tentativa de um líder religioso de falar contra uma injustiça. Em vez disso, expressaram uma visão distorcida deste país - uma visão em que o racismo branco é endêmico, que eleva o que está errado com os Estados Unidos acima de tudo o que está certo; uma visão que vê os conflitos no Oriente Médio primariamente como resultado das ações de aliados como Israel, em vez de emanados da ideologia perversa e odiosa do islamismo radical.

Assim sendo, as declarações do reverendo Wright não foram apenas errôneas, mas divisivas, divisivas em um período em que precisamos de unidade; racilamente carregadas em um momento em que precisamos de união para confrontar uma série de problemas monumentais - duas guerras, a ameaça terrorista, uma economia decadente, uma crise de saúde pública e mudanças no clima potencialmente devastadoras; problemas que não são de negros, brancos, latinos ou asiáticos, mas problemas que desafiam a todos nós.

Dada minha origem, minha carreira política e meus valores e ideais, não há dúvida de que haverá aqueles para os quais minhas declarações e condenações não são suficientes. Por que me associei com o reverendo Wright? Por que não procurei outra igreja? Confesso que se tudo o que eu conhecesse do reverendo Wright fossem os trechos de sermões repetidos continuamente na televisão e no You Tube - ou se a Igreja Unida da Trindade fosse a caricatura vendida por alguns comentaristas - não há duvida de que reagiria da mesma forma.

Mas a verdade é que isso não é tudo o que conheço do homem. O homem que encontrei há mais de vinte anos é o homem que me ajudou a adotar a fé cristã; o homem que falou de nossa obrigação de amar uns aos outros; de cuidar dos doentes e ajudar aos pobres. Ele é um homem que serviu a este país como fuzileiro naval; que estudou e deu palestras em algumas das mais importantes universidades e seminários e que por mais de trinta anos dirigiu uma igreja que serviu à comunidade fazendo na terra o trabalho de Deus - ao abrigar os sem-teto, alimentar os necessitados, dar creche e bolsas de estudo, pregar nas prisões e sair em busca daqueles que sofrem de AIDS.

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